हरे कृष्ण हरे कृष्ण कृष्ण कृष्ण हरे हरे || हरे राम हरे राम राम राम हरे हरे

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Laicidade

Estimado Prabhu Acyutananda Dasa,

Hare Krishna!

Todas as glórias à Srila Prabhupada!

Quero, primeiramente, agradecer por enriquecer a conversa com sua contra-argumentação.

Não defendo minha posição de forma apaixonada, muito pelo contrário, ela é fruto de constantes ponderações imparciais e reavaliações das conclusões. Minha posição não é simplesmente a de divergir nas idéias, mas consistir as ideias. Assim, nossa conversa será muito construtiva para mim.

Realmente é verdade que o crucifixo pode ser encarado como aspecto da expressão cultural do povo brasileiro, porém também temos ícones religiosos da Umbanda, candomblé e tradições indígenas tão antigas e populares como o crucifixo, que igualmente refletem a tradição cultural brasileira, mas que não encontram a menor chance de serem afixados nas câmaras (legislativas, judiciárias e executivas), auditórios ou qualquer repartição pública, pelo simples fato de não pertencerem ao panteão católico.

Acredito que a maioria total dos devotos (inclusive eu mesmo) encaram o crucifixo com reverência e profundo respeito. Essa é a visão que em geral os devotos tem, pois gostam de se lembrar de Deus, independente dos rótulos, cujas mentes são flexíveis e abertas para aceitar as diferenças religiosas de forma respeitosa e construtiva, porém, infelizmente, não era essa a idéia de quem determinou a colocação dos referidos símbolos nesses lugares.

A ideia original é mostrar a presença e influência da igreja católica nas instituições brasileiras.

Exemplos disso não faltam. Em 13 de novembro de 2008, o presidente Lula e o Papa Bento XVI assinaram, em regime de urgência, o que se chama de “concordata”, um acordo entre o Vaticano e o governo brasileiro, com o argumento de “regulamentar o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil”, que trata, entre inúmeras outras coisas, da transformação de todas as igrejas católicas em acervo cultural nacional, passando a ser mantidas com o dinheiro público (impostos pagos por judeus, budistas, umbandistas, ateus, devotos de Krishna, etc.) para sua devida manutenção (não só do prédio, como de todo o material de uso litúrgico). Como o Vaticano tem esse ambíguo status jurídico de Estado, embora seja um Estado que só existe para organizar e propagar uma religião, a concordata tem o valor de um tratado internacional, bilateral. Não pode ser rompido por um dos signatários, só por ambos. Em 20 artigos, o texto interfere em questões como o ensino religioso confessional na escola pública, efeitos civis do casamento religioso e o reconhecimento de que não há vínculo empregatício entre padres e freiras com as instituições católicas. Existem algumas dezenas de projetos correndo nas câmaras legislativas, que merecem urgência para serem julgados porque lidam com questões vitais para todos os brasileiros. Contudo, se arrastam pelo Congresso por anos. Algum de nós consegue imaginar por que motivo a “Regulamentação do Estatuto Jurídico da Igreja Católica” seria urgente para a nação brasileira? Não é necessário ressaltar que isso afronta o princípio de igualdade no tratamento às diferentes religiões, por parte do governo.

Existe uma inegável pressão dos principais setores da Igreja Católica para manter sua poderosa influência no governo brasileiro. Conforme colocado pelo Prabhu Prahladesh:

“Na altura Dom Antônio de Macedo Costa, líder intelectual do clero brasileiro afirmou:

"A doutrina católica ensina-nos, dignos cooperadores e filhos diletíssimos, que o tipo ideal da perfeição social não consiste na multiplicidade das seitas religiosas e na tolerância universal delas, mas sim na unidade perfeita dos espíritos pela unidade da mesma fé dentro do grêmio do universal rebanho de Cristo: Unum ovile et unus Pastor . Cônscia da divina missão que lhe incumbe, de realizar, quanto é possível sobre a terra, este sublime ideal evangélico, sustentará sempre a Igreja o direito que só ela tem da proteção dos Estados e condenará o sistema de indiferença que pretender colocá-la no mesmo nível de igualdade com as seitas e religiões falsas. Nem se concebe que a verdadeira Igreja desista de tão sagrado direito, que é sua razão mesma de existência."

Em outro trecho da mesma Pastoral redigida por esse Dom Antonio encontramos:

"Mas o que pedis à Igreja Católica é a tolerância ou é o suicídio? Ela não pode, sem contradizer toda a sua história, sem renegar a sua própria essência, sem anular-se, sem aniquilar-se completamente, sem trair a Jesus Cristo, admitir o princípio que todas as religiões são igualmente verdadeiras, ou que todas são falsas, ou que sendo uma só verdadeira, seja indiferente abraçar esta ou as outras; como se a verdade e o erro tivessem os mesmos direitos perante a consciência!"

Se não houvesse um governo Laico (forma de governo onde, idealmente, Estado e religião são separados), ainda que atuando não plenamente, porém, dentro do possível, como um árbitro neutro, com certeza não estaríamos aqui exercitando nosso direito de liberdade religiosa como devotos de Krishna. Essa é a vantagem de um governo sem tendências nem preferências religiosas. O laicismo foi um grande avanço para o povo brasileiro, sem o qual, a missão de Prabhupada não encontraria espaço para pregação.

O governo deve governar igualmente para todos. Porém, se existem os “preferidos” também existem os “preteridos”. Essa diferença no tratamento entre as religiões é que muitas vezes causa conflitos e divergências.

O exemplo da FIFA foi para mostrar a importância da neutralidade e isenção que um árbitro deve apresentar. É óbvio que a analogia é limitada, como normalmente o são todas as analogias, porém é um bom ponto de partida para se captar a idéia. Apesar de upamana carecer de precisão, Prabhupada costumava usar analogias para trazer uma melhor visualização de pontos de difícil compreensão (por exemplo: o disco solar e a refulgência do Brahmajyoty). Isso porque ele não usava upamana como método para obter conhecimento (pois carece de precisão), mas sim como forma de apenas ilustrar o conhecimento, que no caso de Prabhupada foi obtido através de sabda pramana. Da mesma forma podemos (conforme eu fiz) utilizar upamana apenas para ilustrar a validade ou não de uma conclusão que foi obtida através de anumana (lógica inferencial dedutiva ou indutiva) ou pratyaksha (percepção ou cognição direta).

Você também afirma que o exemplo da FIFA é tendencioso e parcial, pois parte do pressuposto que as religiões são adversárias entre si ou competidoras, como os times de futebol. Contudo, infelizmente, muitas religiões se vêem partícipes num tipo de disputa espiritual, numa “guerra santa”, a exemplo do catolicismo, conforme exemplificado acima no texto de Dom Antônio de Macedo Costa. Além dos católicos, os evangélicos, os muçulmanos como outras religiões não tão famosas encaram as outras confissões religiosas como sendo heresias falsas que não devem ser toleradas mas sim combatidas por todos os meios.

Assim, enquanto não tivermos uma Teocracia Democrática Consultiva Védica (como explicado pelo Prabhu Prahladesh Das), somente um governo laico, neutro e operando independentemente das visões religiosas poderá garantir o direito de liberdade religiosa, impedir excessos e punir hostilidades desses grupos religiosos que querem impor sua visão da Verdade. Então, nesse sentido, existe sim o pressuposto, por algumas das mais importantes religiões, da rivalidade e inimizade entre as diferentes religiões. É por causa disso que se criaram os movimentos de diálogo inter-religioso, para disseminar o entendimento e a coexistência pacífica na diversidade religiosa e apaziguar e conscientizar essas religiões que encaram as demais fés como inimigas e demoníacas.

Grato,

Hari bol!

Mahesvara Caitanya Das

Estimado Prabhu Advaya Dasa,

Hare Krishna!

Todas as glórias a Srila Prabhupada!

Após ler suas considerações percebi que o Sr. esqueceu-se de aplicar a “técnica da lupa” na aprovação da permanência dos símbolos religiosos nas repartições públicas e também extrapolar as consequências. Aplicando-se a técnica, poderíamos chegar num cenário até pior: a Igreja Católica poderia voltar a se tornar a religião oficial do país e vir a cercear os direitos de liberdade religiosa já adquiridos, podendo proibir qualquer atividade proselitista que não seja a católica, proibir qualquer expressão pública de fé alheia ao catolicismo (não poderíamos, por exemplo, distribuir os livros da BBT, nem poderíamos fazer kirtanas em locais públicos nem realizar o Rata-Yatra). Também poderia haver a proibição da utilização pública das vestimentas típicas de religiões diferentes do catolicismo (saris, dhotis, tilaka, kunti, danda, véu islâmico, kimonos zen, etc.). Se pudéssemos aplicar um “zoom” na “técnica da lupa”, para aumentar e extrapolar ainda mais suas consequências, poderíamos chegar a um modelo teórico de Estado que se assemelharia àquele que a humanidade sofreu durante a idade média, com absurdos em nome da Igreja Católica, como queimar em praça pública pessoas consideradas seguidoras de ímpias seitas. Usando suas próprias palavras, não acredito que Prabhupada pudesse aprovar e ao mesmo tempo compartilhar desta tese de intolerância em nome de um Estado não laico.

Por outro lado, poderíamos também aplicar a “técnica da lupa” em uma outra possibilidade que também não foi aventada: o Estado Laico poderia refinar e aperfeiçoar seus mecanismos para garantir a liberdade religiosa individual, assim como sua expressão coletiva, proporcionando, à exemplo do governo Mexicano (que é laico), que cada religião recebesse gratuitamente das autoridades públicas uma área para construção de sua sede (templo, igreja, centro, etc). Também poderia estabelecer um calendário oficial que respeitasse as comemorações de cada religião, onde os concursos públicos e ausências ao posto de trabalho público levassem em consideração essas datas. O governo federal também poderia determinar a construção de monumentos em homenagem às diferentes religiões, em locais exuberantes para exploração do potencial turístico, à exemplo do Cristo Redentor.

Dentro da minha humilde visão, a simples extrapolação teórica através da “técnica da lupa” não se mostra tão útil para defender as teses tanto da conservação dos símbolos como a de sua retirada.

Gostaria de comentar, que o Estado Laico brasileiro possui leis que garantem o direito de liberdade religiosa. Estas leis não possibilitam a proibição de se usar roupas (véu islâmico, dhoti, sari, etc.), símbolos (crucifíxos, tilaka, kunti, Johrei, etc.), nem a destruição de monumentos em homenagem a alguma religião, mas que, ao contrário garantem essas expressões da variedade religiosidade nacional.

Também gostaria de comentar sobre a funcionária pública, citada em mensagem anterior, que em sua mesa portava símbolos religiosos das mais variadas tendências. Nesse caso, a mesa da funcionária não é um espaço considerado público, mas de uso privativo do funcionário. Assim, é aceitável (e garantido pela lei de liberdade religiosa) que ela coloque o retrato de sua família, o símbolo do seu time de futebol, bem como ícones de sua confissão religiosa, ou de suas confissões, no caso de haver uma multi-pertença religiosa.

Acredito que um Estado Laico, que não propõe a primazia de uma religião sobre as outras, nem promove uma corrente religiosa específica em detrimento das outras, é, sem dúvida, melhor que os Estados que possuem religião oficial, os quais não respeitam os diretos de liberdade religiosa e sufocam as fés que não são a oficial. Para a pregação da Consciência de Krishna pela ISKCON, a existência de Estados Laicos são necessários e de vital importância.

Grato,

Hari bol!

Mahesvara Caitanya Das

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